O nosso Congresso<br>e os dos outros

Margarida Botelho (Membro da Comissão Política)

Não é só porque ainda temos na re­tina um Portas la­cri­me­jante num ce­nário ci­ne­ma­to­grá­fico, com um gar­rafal «obri­gado, Paulo» na aber­tura do con­gresso do CDS no fim-de- se­mana pas­sado, numa imagem sín­tese da po­lí­tica-es­pec­tá­culo. É so­bre­tudo porque agora que se co­meçam a re­a­lizar as pri­meiras reu­niões de dis­cussão do XX Con­gresso do PCP, me­rece a pena as­si­nalar as pro­fundas di­fe­renças entre a pre­pa­ração de um con­gresso de um par­tido re­vo­lu­ci­o­nário, en­rai­zado nos tra­ba­lha­dores e no povo, e dos ou­tros todos.

 

O PCP é um grande co­lec­tivo de ho­mens e mu­lheres

Nos con­gressos do PS, do PSD, do CDS, do BE, há mo­ções, fac­ções e ou­tras com­pli­ca­ções. Há fa­cadas nas costas, chefes, ca­ci­ques e cla­ques, gente que paga as quotas a outra gente para votar como é pre­ciso que se vote. Há em­presas or­ga­ni­za­doras de eventos, re­a­li­za­dores e gui­o­nistas. Há es­trelas que falam à hora do te­le­jornal e «mi­li­tantes de base» que in­tervêm às duas da manhã. Há o voto bi­nário, sim ou não, moção A ou moção B.

E há o Con­gresso do PCP. Co­me­çado a pre­parar em Março para se re­a­lizar em De­zembro, du­rante nove pro­fundos meses – e des­conta-se aqui o tra­balho de ela­bo­ração prévio à de­cisão do Co­mité Cen­tral no lan­ça­mento do Con­gresso. Um tra­balho pre­pa­ra­tório di­vi­dido em três fases dis­tintas: uma pri­meira, que de­corre até final de Maio, em que a or­ga­ni­zação do Par­tido é cha­mada a con­tri­buir com base nos tó­picos lan­çados pelo CC, «de modo a per­mitir, com a má­xima con­tri­buição dos mem­bros e or­ga­nismos do Par­tido, a de­fi­nição dos ele­mentos es­sen­ciais a in­te­grar na ela­bo­ração das Teses», con­forme se lê na re­so­lução do Co­mité Cen­tral. Uma se­gunda fase, em que as Teses são ela­bo­radas tendo em conta o de­bate e as con­tri­bui­ções da pri­meira. Uma ter­ceira fase, a partir de Se­tembro, em que a dis­cussão se faz já com base nas Teses – pro­jecto de Re­so­lução Po­lí­tica, em que todos os mi­li­tantes têm di­reito igual a fazer pro­postas de al­te­ração, ela­borar con­tri­butos, in­serir esta ou aquela ideia que ainda não es­tava con­tida. A fase em que as or­ga­ni­za­ções do Par­tido elegem os seus de­le­gados ao Con­gresso, numa pro­porção igual para todos, em que não há dis­tin­ções entre mi­li­tantes de há 50 anos ou de há cinco meses, ou entre de­pu­tados, pre­si­dentes de câ­mara ou o mais dis­creto quadro do Par­tido.

É res­pon­sa­bi­li­dade dos or­ga­nismos de di­recção do Par­tido, a todos os ní­veis, criar as con­di­ções e sus­citar o in­te­resse para que o má­ximo de mem­bros do Par­tido con­tri­buam para o êxito do Con­gresso, com a sua ex­pe­ri­ência, re­flexão e opi­nião.

Um par­tido re­vo­lu­ci­o­nário

No PCP não há um chefe, ilu­mi­nado e vi­si­o­nário, que sabe tudo e sobre tudo tem so­lu­ções. Há um grande co­lec­tivo, de ho­mens e mu­lheres, in­se­ridos na vida das suas em­presas e lo­cais de tra­balho, co­nhe­ce­dores dos sen­ti­mentos, an­seios e pro­blemas do povo, que ana­lisa, apro­funda, dis­cute, de­cide e con­cre­tiza um pro­jecto po­lí­tico trans­for­mador da so­ci­e­dade por­tu­guesa. Que or­ga­niza, mo­bi­liza e di­rige a luta dos tra­ba­lha­dores e do povo, porque fazem parte dele e querem a sua eman­ci­pação.

Para quem olhe para a vida e para a po­lí­tica com um olhar su­per­fi­cial pode ser di­fícil com­pre­ender como nos or­ga­ni­zamos. Pode pa­recer es­tranho que «dis­cutir» não seja aos gritos, que eleger uma di­recção não seja um jogo de toma-lá-dá-cá ou que não haja ven­ce­dores e ven­cidos. Mas quem olhe sem pre­con­ceitos para o PCP verá que o pro­cesso pre­pa­ra­tório dos nossos con­gressos é pro­funda e pi­o­nei­ra­mente de­mo­crá­tico.

Claro que os ini­migos de classe do PCP di­fi­cultam o mais que podem o fim dos pre­con­ceitos. Um pe­queno exemplo: «mo­no­lí­ticos», «or­to­doxos», «an­ti­de­mo­crá­ticos», «uma una­ni­mi­dade norte-co­reana» – são epí­tetos que fre­quen­te­mente se ouvem a pro­pó­sito dos con­gressos do PCP, da sua co­esão e co­e­rência. Ex­pres­sões que nunca se ouvem sobre os con­gressos dos ou­tros par­tidos, apesar de a Co­missão Po­lí­tica do CDS ter sido eleita com 95,59 por cento dos votos, Passos Co­elho re­e­leito com 94,65 por cento, ou que An­tónio Costa tenha tido 96 por cento nas elei­ções di­rectas para se­cre­tário-geral do PS.

O que nos ou­tros é apre­sen­tado como «força», «com­pe­tência», «con­quista do par­tido», «di­nâ­mica ven­ce­dora», no PCP é apou­cado e ca­ri­ca­tu­rado. Uma ati­tude de de­so­nes­ti­dade in­te­lec­tual que tem que ser des­mas­ca­rada. Como des­mas­ca­radas têm de ser as leis dos par­tidos e do fi­nan­ci­a­mento dos par­tidos, que pro­curam impor um mo­delo único de or­ga­ni­zação po­lí­tica ao povo por­tu­guês.

O XX Con­gresso do PCP re­a­liza-se num mo­mento es­pe­cial, no plano na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal. Um mo­mento que, como temos dito, grandes pe­rigos con­vivem com grandes po­ten­ci­a­li­dades. Fa­çamos dele um pro­cesso de aná­lise, de­fi­nição de ca­mi­nhos e re­forço do PCP, que faça avançar a luta e a his­tória dos tra­ba­lha­dores e do povo.

 



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